Milícias já dominam 57% do território do Rio, aponta estudo
Dados também mostram que um a cada três moradores da cidade estaria vivendo em áreas controladas por esses grupos criminosos
Os grupos milicianos do Rio já controlam 57% do território da capital fluminense. Enquanto isso, as três facções do tráfico carioca têm, somadas, o domínio de 15%. Chama a atenção, portanto, a predominância da milícia na cidade, que também ganha evidência quando é exposto o número de cariocas que vivem sob o controle desses grupos criminosos: um a cada três moradores, ou 2,2 milhões de pessoas.
Os dados estão no estudo Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro (veja mapa neste link), feito em parceria entre o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF, o Núcleo de Estudos da Violência da USP, o Disque-Denúncia e as plataformas Fogo Cruzado e Pista News. O poderio mensurado pela pesquisa joga luz sobre a rápida expansão dos milicianos, que não se limita a bairros da capital. Eles se espalham cada vez mais pela região metropolitana, especialmente na Baixada Fluminense. Foi no âmbito do combate a esse aumento de capilaridade que a Polícia Civil cumpriu duas operações na semana passada, que resultaram na morte de 17 suspeitos.
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No Mapa dos Grupos Armados, também chama a atenção o porcentual superlativo de territórios em disputa: 25% da capital. Apenas 2% da área do Rio não estaria passando por nenhum domínio criminoso ou conflito entre grupos. Os pesquisadores observaram uma nítida mudança no cenário do crime. Se antes o tráfico disputava entre si os territórios, hoje a milícia é quem desponta como principal adversária do Comando Vermelho, enquanto as demais facções têm poderio reduzido. Isso desconstrói a ideia de paz que a milícia historicamente tenta vender ao ocupar locais antes pertencentes ao tráfico.
“Segundo o mapa, as milícias também entram em disputas territoriais violentas e atuam em territórios cada vez mais extensos, onde controlam esses bairros ilegalmente, cobrando taxas extorsivas sobre os mercados de serviços essenciais como água, luz, gás, TV a cabo, transporte e segurança, além do mercado imobiliário”, aponta o pesquisador Daniel Hirata, da UFF.
Considerada atualmente “empreendedora”, a milícia já não se limita a atividades como a venda ilegal de gás e o chamado “gatonet”, por exemplo. Os grupos realizam atividades como grilagem e construção de prédios em áreas irregulares. Foi o que ocorreu na Muzema, zona oeste da cidade, em abril do ano passado, quando 24 pessoas morreram após uma dessas construções desabar.
As cores designadas para cada facção pintam o mapa da seguinte forma: o azul da milícia é predominante em quase toda a zona oeste e no oeste metropolitano, enquanto a Baixada vivencia forte divisão com o Comando Vermelho – que, por sua vez, ainda tem controle da maior parte da zona norte e do leste metropolitano. O grupo mais conhecido do tráfico ainda tem algumas fortalezas na área de maior domínio da milícia, principalmente a Cidade de Deus, cercada por comunidades dominadas por milicianos em Jacarepaguá. O trabalho cartográfico também mostra alguns focos da milícia indo além da região metropolitana. Há registros espalhados pelo Estado, como na Região dos Lagos e na Região Serrana.
Ao apresentar o estudo, os pesquisadores ressaltaram a velocidade com que a milícia conseguiu chegar ao que é hoje. Enquanto esses grupos – formados, na maior parte, por policiais – cresceram nos anos 2000, o tráfico tem um histórico de atuação que remete ao fim dos anos 1970, quando surgiu o Comando Vermelho. “As disputas entre esses quatro principais grupos não impediram o avanço das milícias, o que nos permite afirmar que essa expansão é o fenômeno mais notável dos últimos anos, além de reconfigurar a dinâmica dos conflitos armados em seu conjunto”, apontam.
Para elaborar o mapa e apresentar os dados, o estudo considerou 37,8 mil denúncias recebidas pelo Disque Denúncia que mencionavam o tráfico ou a milícia. A partir disso, fez-se uma triagem de validação, e os relatos passaram por processos de classificação por meio de termos que apareciam com frequência, criando assim uma espécie de dicionário. Esses termos foram analisados sob a ótica de três “agregadores”: controle territorial, controle social e atividades de mercado. É possível, segundo os pesquisadores, que haja alguma imprecisão, dado o grau de dificuldade de se mensurar algo desse porte. A ideia agora é elaborar uma série histórica, tendo como início o ano de 2005, e abrir os dados em uma plataforma disponível para consulta.
Reprodução: Estadão